sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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A poetry brasileira
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....................O retrato da favela tem só uma imagem,
....................Mas cada olho tem sua interpretação pra essa imagem,
....................Meus olhos vêem quando eu olho pra favela
....................Almas tristes, sonhos frustrados, esperanças destruídas, crianças sem
....................futuro
....................Vejo apenas vitimas e dor.
....................Os olhos do gambé vêem traficantes com AR-15 e lançador de
....................granada,
....................Vagabundas drogadas, mães solteiras, desempregados embriagados
....................no balcão do bar
....................Adolescentes viciados, pivetes com pipa, com rojão avisando que os
....................homi tão chegando
....................Vê em cada barraco um esconderijo, uma boca
....................Em cada senhora de cabelo branco uma dona Maria mãe de bandido
....................Os olhos do político vêem presas ignorantes, ingênuas,
....................Marionetes de manuseio simples, a faca e o queijo
....................O passaporte pra Genebra, o cheque especial, o tapete vermelho pra
....................loja da mercedes, o tamanco, o vestido, o mods e o vibrador da sua
....................puta
....................Vêem um mar de peixes cegos que sempre mordem o mesmo anzol
....................Os olhos do boy, esses ai, esses não vêem nada
....................Nenhum problema, não vêem a fome,
....................Os aviões com droga, o trafico de arma
....................As escola sem telhado, lousa, professor, segurança
....................Os jovem sem acesso a livro, quadra esportiva, centro cultural
....................Não vêem os ossos no cemitério clandestino, as vitimas da brutalidade
....................da policia
....................O povo esquecido e desassistido,
....................Os olhos do boy, só são capazes de enxergar na imagem da favela,
....................O medo, o medo em forma de HK na ponta do seu nariz,
....................E você truta? O que os seus olhos vêem quando olham pra
....................favela? (O que os olhos vêem – Facção Central, grifo nosso).
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...As favelas
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...Antes de fazer uma análise sobre as canções de rap nacionais, convém historicizar uma das maiores inspirações para a maioria das letras, a situação dos moradores das favelas nos dias de hoje.
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...No Brasil, desde a abolição da escravatura, em 1888, um grande problema passou a ocupar a mente dos libertos: como sobreviver. Um dos destinos mais visados 29não só pelos libertos, mas também por migrantes e imigrantes, foram as grandes cidades, que acabaram por causar uma verdadeira transformação demográfica e social no Brasil, uma vez que foram se moldando através das esperanças de sobrevivência dos brasileiros, que viam nelas uma forma de começar uma nova vida, uma forma de sobrevivência.
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...O que se viu nas grandes cidades foi o inchaço de sua população. Novos habitantes vindos do interior do país e dos portos estrangeiros que se ajuntavam à antigos escravos, forros e brancos pobres. Segundo Martins (1998, p.132) “[...] movimentar-se-iam, todos eles, pelas ruas alvoroçadas em busca de empregos e de tetos baratos para abrigar-se, num deslocamento contínuo que fundia vivências, experiências, tensões e esperanças”.
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...A partir dessa intensa movimentação, o quadro das cidades brasileiras, que já era instável, pela escravidão e uma forte exclusão social, tendeu a se agravar com a abolição e instauração dos princípios democráticos, inspirados pela Primeira República, chegando a um estágio de desordem incontrolável, no entender das elites governantes:
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....................“Surgia então [aos olhos da sociedade] a figura aterradora da massa
....................de ‘cidadãos’ pobre e perigosa, viciosa, a qual emergia da multidão
....................de casas térreas, de estalagens e cortiços, de casas de cômodos,
....................de palafitas e mocambos que eram a vastidão das cidades
....................herdadas do império. Acusadas de atrasadas, inferiores e pestilentas,
....................essas populações seriam perseguidas na ocupação que faziam das
....................ruas, mas sobretudo seriam fustigadas em suas habitações”.
....................(MARTINS, 1998, p.133).
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...Logo as elites das grandes cidades, acostumadas a fazer refletir no Brasil os padrões estabelecidos pelas elites do primeiro mundo, combinadas as novas políticas públicas, viram a necessidade civilizar o país nos moldes europeus. Soma-se a isso a necessidade de investidores estrangeiros, que, habituados com os padrões sanitários e arquitetônicos do primeiro mundo, não viam no Brasil senão um passo atrás na corrida dos países mais preparados para receber os investimentos das prosperas indústrias capitalistas.
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...Vale lembrar que um dos fatos que mais influenciaram essas novas inspirações das elites em busca de uma civilização das pessoas e cidades, foi o advento da república.
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...Para se encaixar as novas funções urbanas promovidas pelo capitalismo industrial, em suma, as novas políticas públicas procuravam organizar a geografia das cidades e separar as elites brasileiras das classes mais pobres. Para isso, tentaram implantar os modelos que vinham sendo desenvolvidos na Europa, atingindo assim uma:
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....................“[...] diferenciação entre ruas e casas, entre espaços ‘públicos’ e
....................‘privados’, “[...] diferenciação entre ruas e casas, entre espaços ‘públicos’
.................... e ‘privados’, devia ainda ser necessariamente acompanhada pela
....................geografia de exclusão e segregação .social, que acabasse separando
.................... em bairros distintos os diversos segmentos sociais [pois até o momento]
.....................[...] casas de comércio dividiam paredes com habitações luxuosas ou
....................remediadas, e não raro com curtiços, estalagens e casas de cômodo”.
....................(MARTINS, 1998, p.136-137).
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...Essa falta de ordem na geografia urbana e precariedade na infra-estrutura refletia diretamente “[...] nas altas taxas de mortalidade que acometiam os domicílios populares, provocadas pelas sucessões de surtos de cólera-morbo, febre amarela, varíola, e em particular de tuberculose, além de peste bubônica [...]” (MARTINS, 1998, p.140).
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...Sendo assim, uma das primeiras atitudes para por em prática o projeto civilizador foi a separação entre as elites e as classes mais pobres, incluindo a eliminação dos cortiços do Rio de Janeiro, na época capital nacional. Entretanto, desde o início o projeto mostrou-se como belo exemplo da incapacidade das políticas públicas brasileiras na execução de seus projetos com relação a reorientação das populações expulsas.
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...Um exemplo dessa falta de capacidade foi a demolição do cortiço Cabeça de Porco situado na base do morro da Providencia, executado pelo prefeito Barata Ribeiro em 1893.
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....................A miséria e os miseráveis que haviam perdido suas habitações na
....................derrubada violenta do cortiço tinham à disposição o morro do
................... contíguo — e as madeiras da demolição que a própria prefeitura
....................permitia recolher. Barracos de madeira já estavam disseminados no
................... morro de Santo Antonio, ponto privilegiado da cidade, e logo estariam
....................presentes no morro da Providência, nos anos que se seguiram às
....................picaretas de Barata Ribeiro. Na vizinhança do Cabeça de Porco,
....................surgia a “Favela”, apelido que seria dado ao morro da Providência
....................pelas tropas vindas de Canudos em 1897, as quais estacionaram ali e
....................acabaram denominando o local desse nome por associação a plantas
....................com favas, comuns tanto no morro carioca quanto nas cercanias do
................... arraial de Antonio Conselheiro, o Belo Monte. As favelas, nascidas
....................no Rio de Janeiro quase contemporaneamente à Republica, inauguravam
....................de modo exemplar o rol de frustrações das elites em eliminar as
....................convivências de habitações e populações diversas no seio da maior e
....................mais importante cidade brasileira de então, fornecendo um
....................paradigma do que se processaria ao longo de século XX em quase
....................todas as medidas que visaram a exclusão social mediante a
....................condenação e eliminação de habitações inconvenientes
....................(MARTINS, 1998, p.141-142).
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...Mesmo com toda essa política de saneamento das cidades, as elites brasileiras não conseguiram distanciar-se das classes mais pobres. Primeiramente, porque a própria lei deixou brecha para a interpretação e uso dos moradores dos morros: “[...] os barracões toscos não serão permitidos, seja qual for o pretexto de que se lance mão da obtenção de licença, salvo nos morros que ainda não tiverem habitações e mediante licença” (MARTINS, 1998, grifo nosso, p.154). Em segundo lugar, por causa do transporte dos trabalhadores, pela precariedade dos trens e bondes que serviam as periferias mais distantes. As elites não podiam esperar horas e mais horas pelos seus empregados, por estarem acostumados à cômoda exploração desse contingente humano desde a escravatura.
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...O que pode ser observado é que as elites e as políticas públicas de fato não conseguiram expulsar a vizinhança indesejável, pois, “A vizinhança, tão renegada, tornara-se cumulativa, tão necessária quanto incontornável, próxima, mas arredia, quadro emblemático carioca que se repete e se representa em [...] todas as grandes cidades brasileiras” (MARTINS, 1998, p.213).
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...Nos anos que se seguiram, o quadro das grandes cidades brasileiras tendeu a se agravar ainda mais. Um grande abismo entre a distribuição de renda continuou gerando uma massa de cidadãos geográfica e socialmente marginalizados, detentores de condições mínimas para educação, saúde, moradia e trabalho. Os altos índices de desemprego faziam com que os trabalhadores, para conseguir sustentar sua família, se voltassem para atividades informais. Uma outra grave conseqüência causada pelo abandono das classes mais pobres por parte das políticas públicas foi o notável crescimento da violência e da criminalidade, que os habitantes das favelas são obrigados a tolerar e conviver.
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...A elite brasileira, para se proteger do que ela mesma criou, hoje vive cercada “de grades, alarmes, cães, os espaços privados defendem-se com toda a parafernália que prolongue a idéia de que é possível manter os frutos da violência e da exclusão do lado de fora das portas que velam pelas habitações” (MARTINS, 1998, p.213).
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Douglas R. Machado


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1 comentários:

Paulo disse...

Valeu professor! Muito bom o trabalho!
Parabéns..