sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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Os tagarelas paulistanos


...As primeiras informações sobre a presença do rap no Brasil datam da década de 1980. Os primeiros a terem contato com este novo estilo musical foram os b. boys. Entre eles, encontramos o nome de Nelson Triunfo, conhecido pela alcunha de Nelsão, que se tornou um dos maiores responsáveis pela divulgação do movimento Hip Hop(7) no Brasil. O cabelo estilo black power e andar robótico são suas marcas. Nelsão nasceu em Triunfo Pernambuco, e veio para São Paulo na década de 1980. Já dançava o soul e, segundo o próprio Nelsão, “[...] como o Hip Hop tem sua origem no próprio soul, dançar break foi apenas um passo para mim” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.45-46).
7. Vale lembrar que o rap é a união de duas vertentes do Hip Hop o DJ e o MC.
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---Nelson Triunfo se apresentava com seu grupo de dança, Funk & Cia, numa discoteca chamada Fantasy, no bairro de Moema, na zona sul da cidade de São Paulo, um dos primeiros lugares do Brasil a promover eventos para que as pessoas pudessem dançar o break.
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---Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, surgindo das camadas baixas da sociedade, no Brasil o rap veio por meio das pessoas mais abastadas que, segundo Nelson Triunfo, tinham condições de viajar para os Estados Unidos e lá começaram a ter contato com esse novo estilo musical e suas danças, trazendo para o Brasil. Dessa forma, atingindo primeiramente para um público economicamente mais privilegiado, o rap é, a princípio, apresentado em clubes pagos.
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---Após quase um ano adquirindo experiência e se aperfeiçoando com o break e o Hip Hop, Nelson Triunfo decidiu levar a dança para o lugar de onde ela saiu, as ruas.
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---Segundo Nelsão: “pensei como era importante levar tudo aquilo que acontecia na Fantasy para o seu verdadeiro lugar, as ruas, como no Bronx, em Nova York” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.47).
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---No início, Nelson Triunfo dançava apenas por diversão, sem um compromisso com questões sociais, prendendo-se apenas a questões de auto-estima como as que eram pregadas por James Brown em suas músicas. Os primeiros dançarinos de break brasileiro não chamavam as músicas de rap, se referindo a elas apenas como toast (estilo jamaicano). Mas já era clara a mudança que esse novo estilo estava provocando nos que tomavam contato com suas manifestações. “Em qualquer roda de break podia-se encontrar jovens bem vestidos e com os cabelos sem alisar, uma das marcas do orgulho negro” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.48).
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---Fora dos bailes privados, os dançarinos do break ocuparam como primeiro ponto de encontro, para praticarem, a Praça Ramos, em frente ao Teatro Municipal, no centro de São Paulo. As práticas de dança ao ar livre, desempenhada pelos dançarinos com seus movimentos dinâmicos e arrojados com acompanhamento da música, ganhavam facilmente a atenção e interesse dos jovens que passavam pelo local, que pouco a pouco foram se juntando e formando novas equipes de dança. Como o calçamento da praça não era adequado para os passos da dança, os breakers se mudaram para a rua 24 de maio, esquina com o Dom José de Barros, também na região central de São Paulo.
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---Por aquela nova manifestação cultural ainda não ter o conhecimento da sociedade, restringindo-se apenas aos que estavam ligados ao movimento, os grupos de dança foram alvos de perseguições policiais e de comerciantes das lojas mais próximas, que procuravam inibir as apresentações, pois, os “[...] policiais alegavam que a aglomeração formada em torno dos breakers facilitava o aumento do número de furtos” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.47). Até mesmo alguns bailes que promoviam bailes black proibiram break.
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---A dança praticada pelos b.boys só começou a ser mais compreendida pela sociedade após a exibição de videoclipes de Michel Jackson, como Triller, Billie Jean e Beat It, e filmes como Flashdance.
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---Ainda nos anos 80 o irmão de Nelson Triunfo, o b. boy Luisinho com outros integrantes da Funk & Cia passaram a dançar break na estação São Bento do metrô. É a partir disso que os dançarinos decidiram formar equipes para disputar entre si. Com o crescimento de seguidores do movimento, foram sendo criadas diversas equipes como Nação Zulu, Street Warriors, Crazy Crew e Back Spin.
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---Foi nesse período de organização das equipes e crescimento no número de adeptos do break que o rap foi conquistando também seu espaço junto à juventude. Através de seu ritmo novo, diferenciado e com batidas estimulantes, mostrava aos jovens a mais nova manifestação da música afro, e os primeiros lugares por onde esses jovens foram se familiarizando com o rap foram nos salões que promoviam bailes blacks e rodas de break.
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---As músicas ouvidas nos bailes black e rodas de break eram cantadas em inglês levando os jovens a se concentrarem apenas no ritmo da música, batizando o rap de “tagarela” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.51). Pouco a pouco, através dos bailes as informações sobre o movimento foram sendo transmitidas aos breakers.
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---Essas equipes foram criando uma verdadeira comunidade break com estilos próprios, que iam de vestuário até penteado.
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---Devido ao forte contato que as equipes já tinham com as músicas e ritmos do rap estadunidense, e como essa influência já havia conquistado uma grande soma de adeptos, não demorou muito até que dentro das próprias equipes começassem a surgir projetos com o objetivo de criar grupos para cantarem as músicas usando o estilo rap com letras brasileiras para as equipes de break dançarem. Assim os primeiros rappers foram saindo das equipes de break, “[...] como Thaide e DJ Hum, ex-integrantes da Back Spin” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.51).
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---Com o surgimento de grupos com a finalidade apenas de compor as músicas, sem necessariamente praticar também a dança, surgiu entre os próprios músicos a necessidade de conquistar seu próprio espaço para desenvolverem seu trabalho.
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---Sendo assim, os novos grupos de rap que foram surgindo deixaram a estação São Bento e deslocaram-se para o Clube do Rap, espaço aberto pela Chic Show, equipe que trabalhava na organização de bailes black. Já outros grupos se instalaram na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, em um local liberado pelos correios. (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.52).
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---Com espaço próprio e com objetivos definidos, a organização dos grupos e empenho ficou mais assumida diante de um caráter musical, logo começaram a se destacar alguns grupos, como, Stylo Selvagem, Bad Boy, DMN, Personalidade Negra, Doctor MC’s e MRN.
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---Foi nesse período que também começaram a surgir lançamentos de coletâneas com os primeiros grupos saídos das equipes de break, como é o caso da dupla Thaíde e DJ Hum, da Back Spin, que participaram da primeira coletânea de rap lançada no Brasil, Hip Hop cultura de rua (1988), que obteve repercussão nacional, vendendo mais de 25 mil cópias. Segundo ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, (2001, p.51) “O primeiro disco de rap, A ousadia do rap, gravada pela Kaskata’s, quase não fez sucesso. Ele havia sido lançado um ano antes, seguido pelos discos O som das ruas, Situation rap e Consciência black”.
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---Através de uma mudança no direcionamento dos músicos acerca dos temas abordados para a construção das músicas, começou-se a elaborar canções para tratar de assuntos com propósitos políticos, raciais e críticos da sociedade agindo como divulgadores de acontecimentos relacionados a seu próprio cotidiano ou mesmo a experiências passadas. Surge então o que hoje é considerado marco divisor da velha e da nova escola, o Movimento Hip Hop Organizado, conhecido como MH2O-SP.
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---Criado pelo produtor musical Milton Sales, o MH2O-SP surgiu com a tarefa de divulgar e organizar os grupos de rap que foram surgindo das equipes de break. Segundo ROCHA; DOMENICH; CASSEANO (2001, apud SALES), “o que me motivou a criar o MH2O foi a possibilidade de fazer uma revolução cultural no país. A idéia principal foi fazer do MH2O um movimento político através da música”.
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---No dia 25 de janeiro de 1988, foi o lançamento oficial do MH2O-SP no Parque Ibirapuera, antiga sede da prefeitura, num show em comemoração ao aniversário da cidade de São Paulo. “Na ocasião, os rappers levaram lençóis pintados como bandeiras para consagrar o movimento daqueles que resistem e se organizam” (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p.53).
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---Após o lançamento do MH2O-SP, os grupos começaram a se apresentar em festas populares e praças públicas divulgando seu trabalho para os ouvintes de rap e apresentando o movimento para aqueles que ainda não haviam tido contato algum com ele.
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---É importante destacar o papel que os grupos de rap brasileiros juntamente com praticantes de outras vertentes do Hip Hop assume diante da sociedade, ao invés de agirem apenas através dos discursos de suas músicas. Uma grande parcela desses grupos tem trabalhos junto à comunidade, seja através de oficinas ou até mesmo com palestras em escolas, como é o caso do cantor Thaide e o b.boy Nelson Triunfo, que também são funcionários da prefeitura de São Paulo e trabalham na Casa do Hip Hop em Diadema, no ABC paulista, inaugurada em julho de 1999, um centro cultural dedicado aos jovens.
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---Como os grupos cantavam músicas que coincidiam com a vivência da maioria dos moradores pobres, o rap nacional não encontrou fortes barreiras para conquistar a juventude das periferias. Ocorreu então a adesão em massa da população jovem brasileira, o que trouxe um estrondoso crescimento do rap no mercado fonográfico ,atingindo vendagens milionárias, como é o caso do álbum Sobrevivendo no inferno de 1997, do grupo Racionais MC’s, que com um selo independente conseguiu ultrapassar a marca de 1 milhão cópias vendidas.
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---Na esfera fonográfica os grupos de rap ainda caminham, em sua grande maioria, sem um forte apoio das grandes gravadoras, restando como alternativa apenas as gravadoras independentes, mas que têm uma ação bem efetiva dentro do movimento, na maioria das vezes reveladoras de grandes personagens dentro do rap, e agindo como uma das principais divulgadoras dos grupos. Entre as mais conhecidas e reveladoras de talentos estão a Kaskata’s, MA Records e Zimbabwe sem contar os selos individuais dos artistas, como é caso da Cosa Nostra, do grupo Racionais MC’s.
Douglas R. Machado
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